14 setembro, 2006

O Progresso dos Retrocessos

Por: Nilson da Silva Júnior

Minha primeira filha acabara de nascer quando caiu o muro de Berlim. Que alegria! Uma cena inacreditável estava diante do mundo... ao vivo e à cores! O maior simbolismo da intolerância estava sendo despedaçado com martelos, marretas e chutes. As pessoas choravam num misto de alegria e tristeza em meio às lembranças da dor vivida por tanto tempo e a esperança por melhores dias.

Depois daquilo assistimos o mundo se modificar assustadoramente. Vimos a modernidade dos carros chegar, depois a telefonia, a internet... estávamos num caminho bom... demos saltos inimagináveis! Até que chega o fatídico “11 de setembro”.

Daí em diante as coisas também foram alteradas... o país mais poderoso do mundo levantou uma bandeira contra o fundamentalismo e a intolerância à custa de seu próprio fundamentalismo e intolerância... e passou a disparar seus mísseis de discórdia pelo mundo... mais uma vez assistimos pela televisão, ao vivo... primeiro, a invasão do Afeganistão para encontrar Bin Laden... o país foi aniquilado e nada foi encontrado. Em seguida, o Iraque... à procura de armamento nuclear o exército americano invadiu, e quase destruiu aquele país... nada foi encontrado.

Ainda vemos muitos conflitos absurdos esparramados pelos cantos do mundo... a crise entre Israel e Líbano é a cena mais recente.

Depois de quase 17 anos, chego a conclusão que nada mudou... o muro ainda está de pé, mas de outras formas... podemos até pensar que outros tantos muros foram construídos a partir daquele que caiu... infelizmente, o progresso do caráter humano, tão sonhado naquele tempo, têm sido nada mais que uma fantasia. As pessoas ainda se agridem e se matam... a tecnologia, simbolismo de melhoria, tornou-se instrumento de guerra e não de paz... é preciso admitir... estamos em franca marcha ré!

A religião, que deveria ser o referencial maior de que a humanidade melhora, tem sido, pelo contrário, o pivô dos maiores atritos do mundo! Vivemos um tempo de guerras medíocres que disputam a tapas a última palavra das coisas! Os gritos, que deveriam ser para anunciar paz e tolerância, são canais de ofensas e separação. A tônica da crença tem sido: “Quem está com a razão?” “Quem tem a melhor estratégica?”; “Quem tem a revelação?”; “Quem é usado/a por Deus?”.

Andamos na contramão do que seria a religião pura e sem mácula, como diz Tiago, especialmente porque a fé da modernidade não tem encontrado eco na sociedade em geral... é preciso pensar se não vivemos o tempo mencionado por Paulo em carta a Timóteo: “Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.” (2 Tm 4.3e4).

Quero estar enganado na minha impressão! Mas quanto tem crescido a paz, a tolerância, o respeito, a fraternidade, a misericórdia, o amor, a consideração, a verdade, a justiça, o direito, a igualdade, por conta do crescimento das igrejas cristãs no mundo? Se elas crescem, não são notadas, não mudam, não transformam... não basta o senso! Tem que haver transformação! Não basta o número! É preciso ser luz! E se somos, de fato, onde está nosso clarão? E se somos sal, onde está nosso gosto?

Talvez esteja confuso, mas imagino que o projeto de Cristo não era este de fazer um cerco onde acontecessem as mudanças! Uma mudança que só cabe dentro de determinados limites e espaços, que não sai da igreja com a pessoa em direção ao dia a dia, que não atinge a palavra, a atitude, a intenção mais íntima, é uma mudança que não muda... é uma imitação de mudança!

É triste ver o retrocesso mundial, apesar de tamanha inovação tecnológica, sentir que ainda temos carências de humanidade... é mais doloroso perceber que a fé – a grande proposta de evolução da vida – também está em crise... e na maioria do tempo, sem apresentar grandes avanços!

Quem sabe, a salvação esteja mais perto que pensamos: dentro de nós mesmos/as. Basta externar, praticar aquilo que já sabemos na teoria. Ter coragem de romper com os atrapalhos dessa evolução... ter a ousadia de ouvir; de colocar-se no lugar do outro – ver as coisas pelo ângulo alheio; dar mais que receber – desvinculando-se dos padrões de troca tão difundidos atualmente; buscando mais entender que ignorar, ceder que enrijecer, abdicar que fazer questão, crer que duvidar...

Certamente os passos da evolução começam por cada um/a de nós! Será que estamos dispostos/as?

Que Deus nos abençoe e nos dê evolução e paz!

Na graça e na paz,

Rev. Nilson da Silva Júnior
Pastor Metodista em Cândido Mota - São Paulo.
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