Os evangélicos e o poder
Por: Fernando Oshige
Um dos fatos mais importantes que vem marcando a história sócio-religiosa latino-americana, desde os anos 70 do século passado, é o crescimento significativo das igrejas evangélicas.
Esse crescimento, de modo especial das comunidades pentecostais, gerou natural interesse entre os cientistas sociais e os partidos políticos, assim como expectativa nos setores protestantes tradicionais e inquietude em muitas conferências episcopais católicas.
Segundo analistas, como Miguel Diez, esse fato constitui um fenômeno novo que pode gerar transformações políticas e sociais no continente. Muitos argumentos foram esgrimidos para explicar esse fenômeno religioso registrado na região. A partir dos próprios pentecostais, que atribuem esse crescimento à força do espírito que os anima, até alguns setores políticos radicalizados, que acusam as "seitas protestantes" nada menos do que instrumentos do governo norte-americano.
Vozes sensatas, dentro do protestantismo tradicional e inclusive do catolicismo, reconhecem que muitas dessas igrejas pentecostais passaram a ser uma das expressões mais dinâmicas do cristianismo latino-americano, produzindo transformações substanciais na forma de viver a fé e de entender a missão da igreja.
Incluímo-nos entre os que acreditam que os evangélicos vivem hoje uma situação cheia de desafios e de oportunidades. Cremos que é preciso evitar cair na tentação do triunfalismo que o rápido crescimento provoca nas hostes da fé, mas também de cair em "leituras precipitadas e simplistas" que somente vêem manipulações e utilizações dos grupos religiosos com fins políticos.
Os riscos existem e temos que nos manter alertas. Como era previsível, esse rápido crescimento estimulou a incursão de muitos líderes na arena política, animando inclusive setores a constituir partidos e frentes políticas evangélicas.
Essa preocupação social dos evangélicos merece ser ressaltada, principalmente quando provém de setores que habitualmente renunciavam a toda e qualquer participação na vida política. Mas se tal participação é desejável, é preciso perguntar se a formação de partidos evangélicos seria a melhor maneira de organização e de testemunho.
Como bem assinala o teólogo metodista argentino José Míguez Bonino, que foi membro da Assembléia Constituinte em seu país, fundar um partido evangélico suporia que há uma ideologia e uma plataforma evangélicas. Essa pretensão pode ser perigosa, pois indicaria, por um lado, que quem não compartilha essa ideologia não é evangélico, e, por outro lado, obrigaria todo evangélico a compartilhar tal ideologia.
O debate está aberto. Só o tempo nos dirá se os evangélicos estiveram à altura das exigências históricas e contribuíram, através de diferentes canais de organização da sociedade civil, para superar os problemas que afligem a região ou se decidiram aferrar-se a uma "paz" baseada na manutenção das atuais estruturas de dominação.
Fernando Oshige, diretor da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
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