27 julho, 2006

Um ponto de vista jurídico da decisão do 18º Concílio sobre o Ecumenismo

Por: Lair Gomes de Oliveira

A discussão sobre a presença da Igreja Metodista em reuniões ecumênicas ainda deve gerar muita discussão nos próximos meses. Diversos amigos e amigas têm escrito a respeito de suas posições e imaginei que também poderia contribuir com meu ponto de vista. Certamente a questão tem diversos modos com os quais podemos nos aproximar para, não apenas entender, mas também expor nossas opiniões e finalmente aderir a uma posição. Gostaria de tratar sob o ponto de vista do Direito, mais especificamente de nosso direito canônico. Não será difícil chegar a conclusão de que a posição tomada fere nossos dispositivos canônicos, ainda que a defesa do movimento ecumênico não seja alvo explícito, exceto quando se detém a tratar, no Plano Para a Vida e Missão da Igreja, exatamente da área de promoção da unidade cristã. Mas, não nos adiantemos. Façamos o caminho correto seguindo a hierarquia das normas.

A vigência dos Cânones da Igreja Metodista, sua versão atualizada, data de 1º de janeiro de 2002. Isto é importante para reconhecer que a realização do 18º Concílio deu-se dentro do ambiente da legislação aprovada no 17º Concílio. Pois bem, lê-se no “Sumário” dos Cânones que o texto que vem a seguir ao da “Proclamação da Autonomia da Igreja Metodista” é o da CONSTITUIÇÃO DA IGREJA METODISTA que já afirma no seu primeiro artigo que a Igreja Metodista no Brasil constituiu-se de forma autônoma como “ramo da Igreja Universal de Jesus Cristo, continuação do Metodismo, movimento iniciado na Inglaterra por João Wesley, no século XVIII”.

Ora, a referência clara ao Metodismo mundial e ao movimento wesleyano do sec XVIII, já obriga a qualquer que queira tornar- se adepto do metodismo, a reportar-se aos contornos do ambiente do surgimento original do metodismo.

No artigo 4º lemos que a Igreja Metodista adota os princípios de fé aceitos pelo Metodismo Universal. Seria de perguntar nesse momento, quais são os princípios de fé aceitos pelo Metodismo no mundo. A resposta para esta pergunta deve ser dada com atenção, por exemplo, ao Concílio Mundial Metodista que ocorre na Coréianeste mês de julho. Vem de lá os princípios para os quais temos que nos referendar. A resposta, porém, não permite vacilos. O artigo deve ser interpretado como regra geral. Isto é, não permite a possibilidade de fazermos adesões a partes do que for decidido como princípios do metodismo universal. Nossa adesão é completa.
Mas a lei canônica não para aí. Os dois parágrafos deste mesmo artigo completam que “a tradição doutrinária metodista orienta-se pelo Credo Apostólico, pelos Vinte e Cinco Artigos de Religião do Metodismo histórico e pelos Sermões de Wesley e suas Notas sobre o Novo Testamento.” Neste ponto gostaria de desafiar os irmãos e as irmãs que lidam com a história do metodismo para nos dizerem acerca da importância desta afirmação para nossa doutrina, principalmente no que diz respeito a nossas relações com os irmãos católicos da Igreja Romana.
São com estas observações iniciais que chegamos a ler no Art. 11 sobre as “Restrições do Concílio Geral” que passo a transcrever:

Art.11 – O Concílio Geral não pode:

1 – Rejeitar o Credo Apostólico e os Vinte e Cinco Artigos de Religião.
2 – Adotar doutrinas que contrariem os princípios de fé aceitos pela Igreja Metodista.
3 – Contrariar os princípios das Regras Gerais estabelecidas por João Wesley. Parágrafo Único – O Concílio não se sujeita às restrições acima quando há recomendação dos concílios regionais por dois terços, no mínimo, da totalidade dos votos apurados em todos eles e confirmação do Concílio Geral imediato, por dois terços dos votos apurados; ou recomendação do Concílio Geral, por dois terços dos votos apurados e confirmação dos concílios regionais por dois terços, no mínimo, da totalidade dos votos apurados em todos eles.

Quando escrevi, reagindo ao comentário proposto pelo Rev Luis, no correio eletrônico que motivou o início deste debate acerca da questão do ecumenismo, ponderei que a Igreja Metodista deveria ter mais cuidado com suas doutrinas, cercando-as tal como as “cláusulas pétreas” do Direito Constitucional brasileiro, já que parte da sua constituição enquanto Igreja, ou pelo menos, que tornasse mais difícil a possibilidade de sua alteração. A verdade é que, não havia ainda me detido com atenção ao texto dos nossos Cânones, onde agora descubro que estes cuidados existem e são bastante claros.

Como se não bastasse a limitação do Art. 11, temos ainda o Art. 20 onde a lei normatiza o meio pelo qual os artigos que compõem a Constituição da Igreja podem ser reformados. São dois terços do plenário do Concílio Geral!

Mas a questão é: como provar que os princípios de fé do metodismo universal e as doutrinas da Igreja Metodista incluem a questão ecumênica?

Precisaremos fazer um novo caminho e que explica, em parte, por que a questão do ecumenismo é tão visceral para o metodismo. Na “Parte Geral” dos Cânones temos “Dos Elementos Básicos da Igreja Metodista”. São elementos básicos:

“1. Doutrinas do Metodismo
2. Costumes do Metodismo
3. Credo Social 4.Normas do Ritual
5. Plano para a Vida e a Missão
6. Diretrizes para a Educação
7. Plano Diretor Missionário”.

E continua o texto Cânonico no parágrafo único do Art. 1º da Parte Geral: “Em nenhuma circunstância, qualquer igreja local, órgãos ou instituições podem planejar, decidir ou executar, ou ainda, posicionar-se contra elementos indicados neste artigo, porque deles decorre a característica metodista.”

A importância deste artigo pode ser compreendida pela organização da norma nos Cânones logo após este artigo. Os Cânones passarão a normatizar cada item desta Parte Geral. Isto significa dizer que, nenhum ponto dos Capítulos I a VII dos Cânones pode ser alterado sem o quórum instituído pelo Art.20, lembrando que o próprio art.20 observa as restrições impostas pelo Art. 11, que dizem respeito a rejeição do Credo Apostólico, dos Vinte e Cinco Artigos de Religião, dos princípios de fé aceitos pela Igreja Metodista, que são os mesmo do metodismo universal, e a contrariar os princípios das regras gerais estabelecidas por João Wesley.

Estamos dentro do núcleo de fé do metodismo e portanto os Cânones tornam bastante difíceis alterações desta parte.

E aqui surge a resposta para o nosso problema. Tanto no Credo Social, quanto no Plano Para a Vida e Missão da Igreja encontramos fundamentos que oferecem argumentos para afirmarmos que a decisão sobre o ecumenismo no 18º Concílio são INCONSTITUCIONAIS, porque ferem o Art 20 dos Cânones.

Qual o quórum que aprovou a decisão sobre o ecumenismo no Concílio? Representou dois terços do Concílio? Pior se considerarmos que a questão do ecumenismo tem a ver com o metodismo universal. Seriam necessários dois terços de aprovação dos concílios regionais e Concílio Geral ou vice-e-versa.

A letra “G”, do Plano para as áreas de vida e trabalho do Plano Para a Vida e Missão da Igreja traz com detalhes a maneira como a Igreja Metodista deve se comportar em relação ao tema do ecumenismo. Especialmente, nos “meios de atuação”, o item 4.5, complementado pelo caput diz: A Igreja Metodista cumpre sua missão na área de Unidade Cristã, usando os seguintes meios: participação em organizações cristãs nacionais, continentais e mundiais, visando a uma ação profética comum;

Concluo, voltando a afirmar que tenho clareza para considerar a norma canônica da Igreja Metodista ferida com a decisão do 18º Concílio Geral. Qualquer membro leigo ou clérigo que ousasse interpor recurso contra a decisão teria facilidade para argumentar o que acabei de expor com mais riqueza ainda.

Não há como nos mantermos passivos diante de tal desrespeito ao metodismo.

Lair Gomes de Oliveira
Teólogo, Sociólogo e Bacharel em Direito
Mestre em Ciências da Religião
Agente de Pastoral - UNIMEP
lgolivei@unimep.br