09 janeiro, 2009

Pseudo-pentecostais: nem evangélicos, nem protestantes (Robinson Cavalcanti)



Um grande equívoco cometido pelos sociólogos da religião é o de por sob a mesma rubrica de “pentecostalismo” dois fenômenos distintos. De um lado, o pentecostalismo propriamente dito, tipificado, no Brasil, pelas Assembléias de Deus; e do outro, o impropriamente denominado “neopentecostalismo”, melhor tipificado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Um estudioso propôs denominar essas últimas de pós-pentecostais: um fenômeno que se seguiu a outro, mas que com ele não se conecta, pois “neo” se refere a uma manifestação nova de algo já existente. Correntes de sociologia argentina já os denominaram de “iso-pentecostalismo”: algo que parece, mas não é. Lucidez e coragem teve Washington Franco, em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Alagoas, quando classificou o fenômeno representando pela IURD de “pseudo-pentecostalismo”: algo que não é. Um estudo acurado dos tipos ideais, Assembléia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus, sob uma ótica sociológica, ou uma ótica teológica, nos levará à conclusão que se trata de duas manifestações religiosas diversas, que não podem -- nem devem -- ser colocadas sob uma mesma classificação. Ao se somar, a partir do Censo Religioso, esses dois agrupamentos, tem-se um alto índice de “pentecostais”, constituídos, contudo, pelos que o são e pelos que não o são. Equiparar ambos os fenômenos não faz justiça à Igreja Universal e ofende a Assembléia de Deus.

Podemos afirmar, ainda, um segundo equívoco dos analistas: considerar a IURD e suas congêneres como “evangélicas”. Elas próprias, por muito tempo, relutaram em se ver como tal, pretendendo ser tidas como um fenômeno religioso distinto, e terminaram por aceitar a classificação “evangélica” por uma estratégia política de hegemonizar um segmento religioso mais amplo no cenário do Estado e da sociedade civil. O evangelicalismo é marcado pela credalidade histórica e pela ênfase doutrinária reformada na doutrina da expiação dos pecados na cruz e na necessidade de conversão, ou novo nascimento.

Se o pseudo-pentecostalismo não é pentecostalismo, nem, tampouco, evangelicalismo, também não é protestantismo. O discurso e a prática dessa expressão religiosa indicam a inexistência de vínculos ou pontos de contatos com a Reforma Protestante do Século 16: as Escrituras, Cristo, a graça, a fé. Chamar o bispo Macedo de protestante é de fazer tremer o Muro da Reforma, em Genebra, e os ossos de Lutero e Calvino em seus túmulos. Muita gente tem incluído a IURD, e assemelhadas, como pentecostais, evangélicas ou protestantes, para inflar, de forma triunfalista, os números, ou por temor de retaliações legais, ou extralegais, vindas daquelas instituições. Se sociólogos têm denominado manifestações novas na cristandade, como as Testemunhas de Jeová, os Mórmons, ou a Ciência Cristã, como “seitas para-cristãs”, podemos denominar a Igreja Universal e congêneres de “seitas para-protestantes”.

O que se constata, cada vez mais, é que o fenômeno pseudo-pentecostal tem concorrido para uma maior aproximação entre os pentecostais (já tidos como históricos, por sua antigüidade e mobilidade social e cultural) e as igrejas históricas. De um lado, os pentecostais redescobrem o valor da história, de uma confessionalidade e de uma teologia sólida; do outro, os históricos vão flexibilizando (ou ampliando) a sua pneumatologia, reconhecendo a contemporaneidade dos dons do Espírito Santo. O fosso entre pentecostais e pseudo-pentecostais tende a aumentar, não só pela aproximação entre pentecostais e históricos, mas também pela crescente adesão dos pseudo-pentecostais a ensinos e práticas sincréticas, com o catolicismo romano popular e os cultos afro-ameríndios. Quando estudantes de teologia assembleianos, batistas nacionais ou presbiterianos renovados aprendem com teólogos anglicanos (John Stott, J.I. Packer, Michael Greene, Alister McGrath, N.T. Wright), e anglicanos, luteranos ou presbiterianos usam de um louvor mais exuberante e oram por cura e libertação, na expressão de Gramsci, um novo “bloco histórico” vai se formando (retardado pelo extremo fracionamento entre ambos os segmentos), do qual, é claro, não faz parte o pseudo-pentecostalismo. Esse “bloco histórico” em formação, para se consolidar, não apenas deve se conhecer mais mutuamente, somando conceitos e subtraindo preconceitos, mas também responder aos desafios de um pluralismo que inclui a diversidade do catolicismo romano, o pseudo-pentecostalismo, o esoterismo, os sem-religião e um agressivo secularismo, emoldurado pelo relativismo pós-moderno. Isso passa, necessariamente, pelo aprender com a história da igreja -- durante, depois e “antes” da Reforma -- e pela superação de uma iconoclastia que, equivocadamente, equipara o artístico com o idolátrico.

Contamos com estadistas do reino de Deus, com humildade, visão e coragem para consolidar esse bloco?

O conteúdo do cristianismo (Robinson Cavalcanti)


O que tem sido o cristianismo em sua história? Não uma seita judaica, mas a realização do que foi preconizado pelo judaísmo, povo da primeira aliança, com um monoteísmo e uma ética de revelação. O Messias anunciado pelos profetas finalmente chega. Tudo isso não poderia ter se acabado em pouco tempo? Surge a Igreja, povo da segunda aliança, com destinação universal: fazer discípulos em todas as nações. Para se expandir tão rapidamente o cristianismo tinha de ser portador de um conteúdo, que chamamos de doutrina, definido nos Credos Apostólico e Niceno, em relação aos divergentes, de fora e de dentro: 1) a Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo; 2) as duas naturezas de Cristo: divina e humana; 3) a concepção virginal; 4) a morte vicária; 5) a ressurreição; 6) a segunda vinda com o Juízo Final; 7) a ressurreição dos mortos e a vida eterna; 8) a Igreja; 9) o batismo. Milhares foram queimados vivos, trucidados pelos gladiadores, estraçalhados pelos leões, pela crença inabalável nessas verdades.

Antes de serem definidas no papel, essas doutrinas já eram cridas e compartilhadas pela comunidade de fé, transmitidas como herança apostólica, com a identificação simbólica da cruz, do pão e do peixe, do alfa e do ômega, na partilha do pão e do vinho, em que a Eucaristia (ação de graças) substitui a Páscoa, porque o Cordeiro já fora imolado. Na adoração, nos cânticos, na Ceia do Senhor, se estabelece a liturgia.

Algo mais importante precede a doutrina, os sacramentos e a liturgia: a definição do cânon bíblico do Novo Testamento. Junto com o Antigo Testamento, ali estava o texto (não um texto, ou um dos textos), escrito por homens inspirados por Deus a edificar homens leitores e ouvintes iluminados por Deus, com as narrativas dos feitos do Senhor e do seu povo, com os seus mandamentos e estatutos. Além da revelação natural (os céus, a consciência), a revelação especial, escrita, apontava para a revelação viva: a pessoa de Jesus Cristo.

Poderiam estas coisas acontecer sem milagres, sem o transcendente, a intervenção do céu, a ação do Espírito Santo apontando para a cruz sangrenta e o túmulo vazio, transformando corações, derramando dons, dando vida à mera existência, com um projeto de reino de Deus? Esses indivíduos formavam comunidades, se organizavam, criavam normas, estabeleciam autoridade; na plenitude de sua humanidade, se institucionalizavam. A igreja é povo e instituição, indissociáveis. Como o primeiro Israel, o segundo conhece altos e baixos, grandezas e misérias, verdades e erros, santidade e dissolução, obediência e desobediência. Porém, o fundador não tinha prometido estar com ela até o fim? Não dissera que sobre ela as portas do inferno não prevaleceriam? Que ensino estranho é esse de um Espírito Santo que assistiu apenas o povo, mas não a instituição! Reformas sempre existiram, e uma grande Reforma veio, nada acrescentando, mas construindo o futuro pelo resgate do passado.

Apesar de lendas tão caras a alguns segmentos, nunca houve um só centro de poder, normatização e irradiação do cristianismo. Acompanhar a vida e a morte dos apóstolos, o estabelecimento das sés e dos patriarcados (nestorianos, pré-calcedônios, bizantinos e latinos) é ser edificado por essa verdade de uma história policêntrica. Porém, nessa diversidade de ramos (alguns com pretensão de exclusividade) havia ou não um amplo consenso dos fiéis através do espaço e do tempo? O Espírito Santo movia ou não esse consenso? Há quem julgue que o Espírito Santo tirou férias com a morte de João, em Patmos, e apenas regressou com o nascimento de Lutero, ou -- o que é mais grave -- com o nascimento da sua denominação ou ministério um dia desses... Somos partícipes de uma instituição e de um povo de dois mil anos; somos herdeiros de todo esse passado, que deve ser, muitas vezes, purificado; tantas vezes atualizado, mas sempre valorizado e reverenciado. Igreja militante, dos ainda vivos; igreja triunfante, dos que já partiram, juntas formando o que os credos designam como a comunhão dos santos.

Deixando de lado o exótico, o pitoresco, as novidades, as vaidades, o personalismo, a imitação, e encarando com honestidade a história da igreja, não foi esta -- em seus diversos ramos -- gerida por integrantes de três ordens (diáconos, presbíteros e bispos), do segundo século ao século 16, fossem esses ramos orientais ou ocidentais? Essas ordens foram mera criação humana? Representaram apenas um grande equívoco? Uma epidemia universal de erros? Ou teriam sido resultado da assistência do Espírito Santo? O equívoco, eclesiológico, de autoridade, não estaria, então, com as novas classes européias, que mais de um milênio e meio depois resolvem “reler” a Bíblia e a história a partir da sua ótica e ideologia etnocêntricas, criando, “de laboratório”, o presbiterianismo e o congregacionalismo?

Com o fundamentalismo bitolando, o pseudo-pentecostalismo distorcendo e o liberalismo negando, não estaríamos hoje diante de outras religiões?

A ética que impressiona os dscrentes (Elben M. Lenz César)

Por ocasião do Sínodo dos Bispos, realizado em Roma, em outubro de 2008, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte, salientou que os católicos da América Latina que se convertem ao protestantismo, imediatamente, “mudam o modo de se comportar, pois assumem um digno comportamento moral, deixando tudo o que parece indigno na nova vida de crentes”. O prelado católico acrescentou a informação de que “a Palavra que [eles] escutam é formativa para sua vida, alimenta seus espíritos e testemunha os valores religiosos que agora interiorizam”.

Tomara que esse reconhecimento de Dom Walmor volte a mexer com a igreja evangélica brasileira em priorizar a pregação do novo nascimento, experiência religiosa que leva o pecador a adotar estilo de vida oposto ao anterior, pois “se alguém está em Cristo, é nova criatura”, já que as coisas antigas ficaram para trás e tudo se fez novo (2Co 5.17).

Numa reunião realizada no Rio de Janeiro, em novembro de 1868, Ashbel G. Simonton, o pioneiro da Igreja Presbiteriana do Brasil, declarou que a implantação e o crescimento do evangelho no país dependia antes de tudo do seguinte: “A santidade da igreja deve ser ciosamente mantida no testemunho de cada crente”.

Agora, em novembro de 2008, em entrevista à revista “Igreja”, o biblista batista Luiz Sayão volta a falar sobre o testemunho dos crentes: “Para termos pastores, educadores e outros líderes cristãos responsáveis, precisamos enfatizar três pontos:
- o ensino das Escrituras,
- a experiência profunda com Deus
- e a ‘ética que impressiona os descrentes’”.

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Fonte: Revista Ultimato, edição 316, de Janeiro-Fevereiro de 2009

08 janeiro, 2009

Os Irmãos comemoram 130 anos no Brasil

(Matéria extraída da Revista Ultimato. Endereço: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&artigo=2165&secMestre=2273&sec=2298&num_edicao=314)

“Não basta evitar o nome de sectário, é preciso também fugir do espírito sectário.”
S. E. McNair

Embora nascido na Escócia, Richard Holden era de formação anglicana, e não presbiteriana. Desviou-se do evangelho na juventude, mas a doença o trouxe de volta a Cristo aos 21 anos. Dois anos depois, Holden trabalhou por algum tempo como comerciante no Brasil, onde aprendeu o português. Mais tarde foi para os Estados Unidos e lá se formou em teologia. Voltou ao Brasil, desta vez como missionário. Chegou aqui em 1860, cinco anos depois de seu patrício Robert Reid Kalley, o pioneiro da igreja congregacional, e apenas um ano depois de Ashbel Green Simonton, o pioneiro da igreja presbiteriana.

A princípio, Holden dedicou-se à evangelização e à distribuição de Bíblias em Belém do Pará e em Salvador. Na ocasião, relacionou-se com políticos liberais e maçons, envolvendo-se, mesmo que indiretamente, com a famosa Questão Religiosa (problemas entre o clero e a maçonaria). Em 1865, Holden tornou-se pastor auxiliar da Igreja Evangélica Fluminense, no Rio de Janeiro. Com a ausência de Kalley por dois anos e meio, Holden veio a ser o pastor substituto. Embora fosse de fato um homem piedoso, bíblico, apologeta, cortês e falasse fluentemente o português, alguns se queixavam dos cultos e das orações longas que o pastor fazia. Além do mais, Holden estava cada vez mais influenciado pelo movimento dos Irmãos, iniciado em 1825 em Dublin, na Irlanda, também conhecido equivocadamente como Irmãos de Plymouth. No início de 1872, ele renunciou ao pastorado e voltou à Inglaterra.

Naturalmente por influência de Holden, cerca de doze pessoas desligaram-se da Igreja Evangélica Fluminense e formaram o primeiro núcleo dos Irmãos no Brasil, há 130 anos, no dia 7 de julho de 1878. Talvez esta tenha sido a primeira divisão na história do protestantismo brasileiro.

Sempre foi difícil referir-se com precisão a esse grupo de evangélicos, porque eles não gostam de etiquetas. O ideal dos Irmãos, desde o início, é reunir pecadores nascidos de novo com a maior singeleza possível, sem burocracia eclesiástica e sem espírito sectário. Eles têm a Bíblia como única regra de fé e prática, mas rejeitam qualquer outro regimento ou lista de normas quanto ao procedimento. Prezam muito a tolerância mútua, embora, como todos os demais grupos cristãos, nem sempre consigam na prática alcançar este alvo, nem mesmo em seus primeiros anos de história. Por não terem nome próprio, são chamados de Irmãos Unidos, Darbistas (por causa do inglês John Nelson Darby, nascido em 1800 e morto em 1882, o líder britânico mais influente do movimento), Irmãos de Plymouth e Casa de Oração (somente no Brasil).

Entre os mais notáveis servos de Deus ligados à história dos Irmãos no Brasil está o inglês Stuart Edmund McNair, que veio para cá em 1896, aos 29 anos. Nos lugares em que McNair morava, ele organizava escolas bíblicas para a instrução dos moços crentes visando ter obreiros melhor preparados. Ele é autor da famosa “A Bíblia Explicada”, ainda publicada no país. As três primeiras edições foram lançadas pela Casa Editora Evangélica, fundada por ele em 1933 na cidade de Teresópolis, RJ. De 1985 para cá a Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD) já publicou 85.912 exemplares de “A Bíblia Explicada”, em dezenove edições consecutivas. Antes de morrer em 1959, aos 92 anos, McNair revelou a sua sabedoria ao escrever, entre outras coisas:

1) O método “cada crente, um obreiro” é a melhor maneira de espalhar o evangelho e promover a vida espiritual dos crentes;
2) O progresso e o aumento de um trabalho não precisam depender da ajuda financeira do exterior;
3) Não basta evitar o nome de sectário, é preciso também fugir do espírito sectário. Nosso amor fraternal deve abraçar todos os crentes;
4) Nossos irmãos que estão no denominacionalismo nos são tão necessários e podem ser tão queridos como qualquer outro.