27 setembro, 2008

É preciso cantar! (autor desconhecido)




Enquanto mentem, eu canto.
E canto toda vez que me lembro de constatar
que apesar da grandeza da pessoa humana
com seu infinito poder transformador,
com sua variedade,
com sua ilimitada capacidade de sentir e entender,
é ela, a pessoa humana,
a causadora,
a matéria prima,
o fiel da balança
e o centro das decisões
desse mundo desumano que vivemos.

É vital que eu cante agora!
É vital que todos cantemos!
Quando alguém esquecer a lição aprendida,
quando o medo nublar a visão,
enquanto alguns tiverem vozes mais fortes que outros,
é vital que todos cantemos.
Até que todos possam se divertir nesta festa
será preciso cantar.

26 setembro, 2008

Salvos do poder do pecado, da morte e do diabo. Ou seja, de toda alternativa que não seja vida boa, abundante, fraterna, criativa e solidária.


Pr. Ronan Boechat de Amorim

Há muitos anos eu li o livro “Mulheres de Médico”, de Frank G. Slaughter, que falava da degeneração das relações pessoais de um grupo de amigos médicos e esposas que viviam boa parte do tempo juntos. O livro descreve como a convivência pode ser degenerativa quando as pessoas que fazem parte de nosso dia a dia e do nosso círculo de intimidade são deliberadamente egoístas, egocêntricas, racistas, sexistas, machistas, manipuladoras, excessivamente competitivas, indiferentes, complexadas, fofoqueiras, oprimidas, mentirosas, traidoras, superficiais, arrogantes, etc... etc... Traições profissionais e no casamento, alcoolismo, violência e outras atitudes acabam se tornando comum ao grupo que se torna um lugar destrutivo com relações perigosas e doentias.

Por que a vida que é um grande milagre precisa ser necessariamente confusa, desarmônica, injusta e, não raras vezes, trágica?

Quando Deus criou o ser humano, era para que este pudesse viver feliz e relacionar-se amorosa e solidariamente com harmonia, justiça e paz com Deus, com os demais seres humanos, com o restante da criação. Isso implicava amor, confiança e obediência a Deus, o Criador e sustentador da Vida e da harmonia entre todas as coisas criadas. Na linguagem bíblica do Gênesis Deus formou o ser humano do pó da terra, deu-lhes o fôlego da vida e disse: vivam, sejam criativos e companheiros, amem, dando assim cores e sabores, criando assim sentido e história e cultura de vida. Por um dom de Deus o pó fez-se gente para a experiência do amor que vive e da vida que ama.

Mas infelizmente o texto bíblico de Gn 3 nos diz que o ser humano (homem e mulher!) desobedeceram e rebelaram-se contra Deus. Muitos cristãos chamam a esse ato de “pecado original”, que quebrou a harmonia em toda a criação de Deus.

A palavra pecado quer dizer “extraviar-se”, “desviar-se”, “errar o alvo”, “agir sem discernimento”, “errar”, “iniqüidade” (falta de justiça), “impiedade” (falta de temor a Deus)”, “revoltar-se” , “rebelar-se”, etc... Uma outra palavra corrente na bíblia para pecado é a que designa algo “torto”, “curvo” (o contrário do que é reto, certo e justo”. O pecado, portanto, é uma falha, uma violação à Aliança com Deus, com o próximo.

O pecado é sempre uma atitude concomitantemente (ao mesmo tempo) contra Deus, contra o próximo, contra a própria pessoa que peca, contra a Aliança, contra a vida, contra a justiça, contra a harmonia (paz & comunhão) na Criação. O pecado cria desequilíbrio e desarmonia nas pessoas, entre as pessoas e entre as pessoas e todas as demais coisas.

O salário do pecado é a morte (Rm 6:23). Basta olhar ao nosso redor e ver como o pecado humano gerou um mundo injusto, violento, desumano, corrompido. O pecado humano gerou uma cultura injusta, violenta (racista, machista, etc), corrompida. O pecado humano gerou instituições e estruturas injustas, violentas, corrompidas. O pecado humano gerou políticas injustas (escravidão, ditaduras, privilégios para os mais poderosos), violentas (guerras, dominações de outros povos) e corrompidas. O pecado humano gerou relações pessoais, familiares, matrimoniais, inter-pessoais injustas (de dominação e exploração e uso do outro), violentas (assassinatos, roubos, torturas, chantagens, abusos, estupro) e corrompidas.

O pecado é estrutural, institucional, político, cultural, relacional, etc... mas é sobretudo pessoal. Nosso mundo é a soma de tudo o que fazemos, cremos, instituímos, etc... Por isso a “cura” para o pecado precisa ser sobretudo pessoal, para o ser desumano que constrói, mantém e goza de um mundo que tem coisas boas sim, mas que no fundo é um mundo doente, injusto, violento, desumano. Nosso mundo foi construído à nossa imagem e semelhança de seres desumanos.

A história humana é a história das guerras, das dominações, das violências, da versão dos vencedores, dos mais fortes, dos mais poderosos...

Deus através de Jesus vem nos oferecer a cura para o coração humano, para as relações humanas, para as relações com o restante da Criação, para a relação com Deus. A graça de Deus não cura apenas parte dos relacionamentos doentios, não cura apenas alguns sintomas e manifestações de nossa desumanização... é a cura para o coração, para os sentimentos, para os desejos, para o trabalho, para os sonhos, para os medos, para os desvios...

É a reconstrução das relações em amor, solidariedade, justiça.

Mas não há como isso acontecer se a vida não voltar ao seu centro e a nossa história não voltar ao seu rumo. Voltar à Deus.

E voltar a Deus não significa o retorno à uma teocracia, a uma “igrejacracia”, a um “cristianismocracia”, a uma “religiosicracia”. Mas significa retornar ao que Deus é, ou seja, amor, justiça, verdade, misericórdia, paz, bondade, perdão, etc...

O pecado que é desobediência a Deus é a rebelião, o desvio, a falha, contra o amor, justiça, verdade, misericórdia, paz, bondade, perdão.

“Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23). A Bíblia afirma que todas as pessoas são contraditórias, ambíguas, pecadoras. Não são pecadoras porque pecam, mas pecam porque são pecadoras! Mas a Bíblia também afirma que o poder de Jesus nos livra do poder do pecado, ou seja, do domínio do pecado sobre minhas ações e minha vida (Rm 6:14). Assim, quem tem Jesus como Senhor e Salvador, não vive de forma deliberada no pecado. O pecado é mais um erro, sintoma da nossa debilidade e ambigüidade humanas, da nossa necessidade de Deus, do que uma opção. “Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço”, confessa o apóstolo Paulo em Rm 7:19. Daí a necessidade de vigiar e orar para não cair na tentação de pecar intencionalmente (Mt 26:41) ou viver deliberadamente no pecado. “...Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1Co 10:13).

Se o pecado fosse uma goteira, Jesus seria o guarda-chuva e a santidade o compromisso de não nos deixar molhar. Molhar acidentalmente por uma goteira é uma coisa. Viver molhado é outra. O injusto ou iníquo é o que deliberadamente pratica a injustiça, o pecado, o mal. O mal é uma opção. É uma alternativa ao amor e à vontade de Deus.

Há pessoas que lucram e “se dão bem” com a prática do pecado. Mas a Bíblia nos diz que o salário do pecado é a morte (Rm 6:23). São as nossas iniqüidades que fazem separação entre nós e nosso Deus (Is 59:2).

O justo é também, como já mencionamos, uma pessoa imperfeita, ambígua e contraditória. Mas é uma pessoa que faz a opção de assumir suas contradições, de enfrentar, sanar, superar as suas contradições. Alguém que sob a poderosa mão de Deus busca a perfeição cristã. Ele sabe que é pó, frágil, pecador... confessa isso continuamente... e busca o auxilio de Deus para crescer, amadurecer, amar, santificar-se. Quando a gente pensa que é melhor do que realmente é, a gente se ilude, se arroga de ser o que ou quem não se é, e cai.

Se há um Deus amoroso que trabalha para redimir a humanidade e a vida, há também uma força negativa e diabólica que veio para matar, roubar e destruir (João 10:10). Preocupado com seus irmãos na fé, o apóstolo Paulo escreve aos cristãos da cidade de Tessalônica: “Foi por isso que, já não me sendo possível continuar esperando, mandei indagar o estado da vossa fé, temendo que o Tentador vos provasse, e se tornasse inútil o nosso labor” (1 Ts 3:5). Há uma força ruim e destrutiva que está no mundo e nas pessoas. A força do tánatos, da morte... que procura sufocar e rebelar-se como o amor e a paz.

O Evangelho é o anúncio do amor redentor de Deus. O amor de Deus nos salva de vivermos uma vida sem amor e harmonia para a qual não fomos vocacionados (chamados)!

O Evangelho é o convite pra gente viver, viver em paz, viver e gostar de viver, viver e gostar de tudo e de todos que vivem, viver e fazer os outros viverem essa mesma vida de amor e humanidade.

Nosso Deus abomina o pecado, mas ama o pecador. Nós devemos seguir o exemplo e a ordem clara de Deus: abominar o pecado e amar e cuidar do pecador.

“Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado” (Gl 6:1).

A Igreja, portanto, não tem de pregar a si mesma nem a sua doutrina. Mas unicamente a Jesus Cristo, que veio para que tenhamos vida e vida em abundância. A Igreja não pode reduzir-se apenas uma instituição, a um gueto religioso, a um grupo de seguidores dessa ou daquela doutrina. A Igreja é a comunidade dos que cultivam a fé em Jesus, que experimentam pela fé a presença e o amor e o poder de Jesus em suas vidas. A Igreja é a comunidade dos amigos de Jesus que O adoram, amando e cuidando do próximo, e sentindo-se desafiados para viver a vida de um jeito ético, misericordioso, com fome e sede de justiça, com alegria por estar vivos e com paixão, respeito e admiração por todos e por tudo que vive. A Igreja é esse movimento maravilhoso onde os crentes em Jesus se reúnem solidariamente para viver, para promover a vida, para defender as pessoas e fauna e flora que têm a existência ameaçada e a vida reduzida a mera sobrevivência ou a qualquer outra coisa que não seja vida abundante com promessa de eternidade.

Somos a família daqueles que têm fé em Jesus. Somos aqueles a quem Jesus, pela nossa fé em Sua Palavra, nos chamou (vocacionou) para sermos parte de sua família; uma família includente aonde, dia a dia, o Senhor vai acrescentando os que vão sendo salvos do poder do pecado, da morte e do diabo. Ou seja, de toda alternativa que não seja vida boa, abundante, fraterna, criativa e solidária.

Ainda que exista muitas possibilidades para se entender o que cada uma dessas palavras significa e o que juntas querem dizer, o melhor da vida é viver e ser feliz.

A Missão de Deus é Integral (Ariovaldo Ramos)


“Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher: do fruto de toda árvore do jardim podemos comer, mas o fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se lhes abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu, e deu-o ao marido, e ele comeu. Abriram-se então os olhos de ambos, e percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si. Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava pelo jardim, na viração do dia, esconderam-se do Senhor Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim. E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás? Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi. Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses? Então, disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi. Disse o Senhor Deus à mulher: Que é isso que fizeste? Respondeu a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. Então, o Senhor Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará. E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás. E deu o homem o nome de Eva a sua mulher, por ser a mãe de todos os seres humanos. Fez o Senhor Deus vestimenta de peles para Adão e sua mulher e os vestiu. Então, disse o Senhor Deus: Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal; assim, que não estenda a mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente. O Senhor Deus, por isso, o lançou fora do jardim do Éden, a fim de lavrar a terra de que fora tomado. E, expulso o homem, colocou querubins ao oriente do jardim do Éden e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar o caminho da árvore da vida. O versículo 15 diz: Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este lhe ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gn 3.1-15)


Esse texto fala da Queda humana, e da reação de Deus. Fala que Deus entrou em missão. Quando buscamos entender a missão integral, estamos buscando entender a missão de Deus. Porque, como esse texto diz (e o dizem todos os teólogos, todos os missiólogos), quem está em missão é Deus. E nós somos chamados a participar com Deus como adjutores, cooperadores na missão de Deus. E dizer que a missão é integral significa dizer que a missão de Deus envolve todos os elementos da Criação, da existência, da realidade vivida, da realidade percebida e da realidade construída. E é uma missão nossa, não no sentido de que nós estamos fazendo alguma coisa, mas sim de que nós estamos cooperando com Deus. Quando nos envolvemos com Deus na sua missão como cooperadores, nós nos envolvemos em uma missão que afeta tudo o que foi criado e tudo o que foi gerado, a partir da Criação. De modo que não há nenhum aspecto da interação de qualquer ser criado que não esteja no escopo missiológico de Deus. A missão de Deus é integral, porque abrange toda a sua criação.

Qual é a missão de Deus? Em Gênesis 3, Deus anuncia aos homens qual é a conseqüência da sua queda, diz que a conseqüência é cósmica, porque toda a criação está sob júdice, está sob um peso novo e negativo, que é resultado da decisão humana. E diz que o homem vai ser o primeiro a sofrer as conseqüências da sua escolha, seja no ambiente privado, seja no relacionamento com os demais membros da Criação; porque ele estará num embate com a Criação, porque “com o suor do seu rosto ganhará o seu pão”, de uma criação que se recusa a cooperar com ele espontaneamente, como fazia antes, por causa do peso que ele trouxe para essa atmosfera. Nesse texto há uma declaração de que a decisão humana criou um transtorno na criação, um transtorno de vários níveis e de profundidade extensa. Toda a Criação foi afetada e todos os relacionamentos foram afetados por esse transtorno. E o Senhor anuncia a sua missão, que é derrotar aquele que derrotou o ser humano, e restaurar aquilo que a decisão humana degradou. Portanto, nesse texto, a missão de Deus deixa de ser apenas a missão de salvação do ser humano, e passa a ser a missão de resgate de toda a criação que foi afetada pelo ato humano. Tendo isso em vista, a missão de Deus é integral. Não há elemento da criação que não esteja no escopo da missão de Deus. Não há elemento da criação que Deus não tenha o compromisso de restaurar. Não há elemento da criação que Deus não tenha a decisão de recuperar; e isso passa pelas constituições, mas também passa pelos relacionamentos, pelos objetivos, pelas causas, pelos efeitos, passa por tudo. Por isso que, quando dizemos que a missão é integral, nós não estamos dizendo que ela é a junção do espiritual com o material, do espiritual com o social, do espiritual com o econômico. Não, porque a missão de Deus é uma missão que visa a Criação, então não tem uma escala de prioridades, tudo é prioritário. Ou Deus salva o que criou, ou não salva nada. Ou Deus recupera o que se perdeu, ou não recupera nada.

Outra coisa que a gente percebe nesse texto é que a missão é integral e histórica. Ela acontece dentro da história. Ela não é trans-histórica e nem é pós-histórica, ela acontece na história, porque o Criador anuncia que a semente da mulher triunfará sobre o Inimigo da criação, sobre o Adversário da criação. E fica claro que, pelo transtorno causado pela escolha humana, o Adversário não é adversário da espécie humana, é adversário da Criação. Não é adversário de Deus, porque de Deus não se pode ser adversário. Só há possibilidade de adversão entre iguais, ou entre equivalentes.

A minha filha viu em uma revista a pergunta “A Ciência vai matar Deus?” e quis saber a minha opinião. E eu expliquei que a pergunta trazia uma contradição, porque Deus não se mata; e se se mata, não é Deus. Então, do que eles estão falando? Eles não estão falando de um ser, eles estão falando de uma forma de relacionar-se com esse ser. Então, precisamos ver se eles conseguem mesmo. Para algumas formas de relacionar-se com esse ser, eles precisam morrer, mesmo; e há outras que hão de sobreviver a todas as tentativas de serem demolidas, ou demovidas. Se é Deus, é imortal, se é imortal, não se mata. Então, a frase é só de efeito e não faz o menor sentido do ponto de vista filosófico, porque qualquer filósofo sabe que é a maior besteira tentar provar que Deus não existe. Porque não tem como. Então, a gente precisa perceber que essa Queda que é anunciada em Gênesis não é uma queda de uma espécie criada, é a Queda da Criação. E o Adversário não é adversário da espécie, é adversário da Criação. Logo, a salvação de Deus é salvação da Criação toda, de tudo o que está contemplado na Criação de Deus. A missão é integral e além disso é histórica, porque ele diz que a semente da mulher derrubará, destruirá, vencerá o Adversário da Criação.

Somos seres contingentes, seres presos à história, portanto, qualquer coisa que Deus tenha a fazer conosco, terá de ser feito na história. Se Deus não triunfar na história, não vai triunfar de jeito algum, porque nós sempre estaremos na história. Todo ser criado está na história, não importa se o tempo lhe faça ou não diferença. Ele teve um princípio e pode ter um fim, então ele está na história. A salvação de Deus, o ato de Deus, a ação de Deus, não importa a intensidade que esse ato tenha, não importa o tempo que esse ato demore, será sempre histórico, estará sempre na história; Deus há de triunfar na história. E, portanto, o Deus que salva é um Deus que age na história, porque a história também há de ser salva. Deixará de ser uma história de morte para ser uma história de vida. Tem de ser assim. Algumas pessoas dizem: “Quando chegarem os novos céus e a nova terra, nós vamos entrar na eternidade”. Nós nunca entraremos na eternidade. A eternidade é algo fora do tempo, só um ser não criado fica fora do tempo. Impossível. Nós vamos entrar num novo céu e numa nova terra, onde habita a justiça. O que vai acontecer, na escatologia cristã, é que o tempo não nos afetará mais. Mas isso não significa que nos tornaremos eternos, porque a eternidade é uma qualidade da qual só Deus desfruta. É uma possibilidade que só Deus tem.

Como a ação de Deus é na história, quem se unir a Deus em sua missão, se unirá a Deus numa missão que tem de se desenrolar na história. Então, não pode ser uma missão que leve o sujeito a qualquer tipo de alienação. Às vezes encontro cristãos que não se interessam pela questão ecológica e dizem que, com relação a isso, tudo o que a gente tem de fazer é ficar esperando. Eu digo que essas pessoas não estão em missão. Elas não reagem à queda. E se você não reage à queda, você não está em missão. E mais ainda, você está atribuindo para si uma espera da qual só Deus tem o direito de usufruir. E ele não está usufruindo porque, na verdade, para ele não é espera, é construção. Então você não está em missão, você não é cooperador de Deus, você não entendeu que Deus está em missão e que a missão é de Deus. E que a missão de Deus está acontecendo na história, está se desenrolando na história, inclusive para salvar a própria história.

“A semente da mulher esmagará a cabeça da serpente.” Isso é um ato na história. Então isso acontece na história, portanto todo o engajamento missiológico é o engajamento na história, e só é engajamento missiológico se for uma reação à Queda, na sua abrangência total. Então, não é que a salvação abrange o espiritual, mais o econômico, mais o social, mais o moral, mais o histórico, mais o que eu queira acrescentar. Não. É que a missão envolve tudo o que é Criação, e dela não escapa nada, portanto, não há nenhum elemento presente na Criação que não tenha de ser recuperado à luz da missão de Deus. E isso inclui política, ecologia, economia. Não há elemento dentro do escopo da Criação que escape da missão de Deus, portanto, não há nada que não tenha de ser recuperado. Isso significa que não há coisa alguma sobre a qual Deus não tenha uma palavra a dizer, um propósito a apresentar, um objetivo a propor. E estar em missão é cooperar com Deus na sua missão. Isso significa estar envolvido em todas as dimensões contempladas pela Criação, que são todas! Porque o único ser que não precisa da missão de Deus é Deus. Todos os demais seres precisam da missão de Deus; todos os demais relacionamentos precisam da missão de Deus; todas as implicações da vida, da existência precisam da missão de Deus, precisam que Deus cumpra a sua missão. É exatamente o que o Senhor diz: a semente da mulher vai vencer o adversário da Criação, a Criação vai ser restaurada, tudo vai ser restaurado.

E quando a gente coopera com Deus? Quando a gente vai ao encontro de Deus levando nas mãos aquilo que Deus traz, ao vir ao nosso encontro. Um novo céu e uma nova terra, um novo relacionamento entre a humanidade e os demais seres criados e entre os seres humanos. Ou seja: Deus está trazendo um novo homem? Nós estamos trabalhando para que surja um novo homem. Deus está trazendo um novo céu e uma nova terra? Nós estamos trabalhando para que surjam um novo céu e uma nova terra. Deus está trabalhando um novo nível de relacionamento na Criação? Nós estamos nos esforçando para que haja um novo nível de relacionamento na Criação. Esse é o sentido da frase “venha o teu reino.” Na verdade, nós estamos pedindo para que Ele venha, enquanto nós estamos indo. E é preciso lembrar que a ordem, que é a Grande Comissão de Jesus, que nós traduzimos por “Ide e pregai o Evangelho a toda criatura” tem como melhor tradução a forma: “Indo, pregai as boas novas a todas as criaturas.” O grande equívoco da Igreja foi ter reduzido o termo criatura a humanidade, como se só a humanidade fosse criatura de Deus. Mas Jesus Cristo disse “a toda criatura”. E é óbvio que quando ele disse “quem crer e for batizado”, ele estava se referindo à criatura que pode responder nesse nível. Mas o apóstolo Paulo diz que as demais criaturas também respondem, porque gemem aguardando a revelação dos filhos de Deus. A criatura humana responde de uma forma, e na resposta da criatura humana está a conversão da criatura humana a todas as demais criaturas. De modo que a gente vai carregando nas mãos o novo céu e a nova terra, que Deus vem trazendo, ao vir ao nosso encontro. E a gente sabe que está em concordância com Deus, na medida em que nós estamos fazendo as obras de Deus.

Como a Deus tudo afeta, e a Deus tudo importa, a missão integral é a consciência de que Deus está em missão de salvação de tudo, de todos os relacionamentos, de todas as possibilidades, restaurando todas as condições, restaurando todas as possibilidades. E estar em missão é estar unido a Deus, que quer reverter todos os efeitos da Queda. Estar em missão é estar, necessariamente, lutando para reverter todos os efeitos da Queda. Então, quando você olha para a degradação do planeta, a pergunta é: Era para ser assim? Não. Então, é preciso reverter os efeitos da Queda. Quando você olha para a situação em que se encontram os seres humanos, para a alienação espiritual em que eles vivem, para os relacionamentos econômicos, sociais e de toda ordem. Era para ser assim? Não. Então, tem de reverter os efeitos da Queda. Para isso o filho da mulher se levantou contra a serpente. E eu acho maravilhoso quando Deus diz para aquele casal que acabara de sofrer o dano imediato, que no caso deles foi sentir vergonha um do outro, deixar de ser uma extensão um do outro, e quando o homem é citado por Deus para se explicar, ele acusa a mulher. É extraordinário ver Deus dizendo “a semente da mulher vai livrar vocês disso". Naquele momento, Deus estava fazendo a primeira restauração, que é: toda a esperança agora estaria na mulher, que fora denunciada pelo macho. Daquele dia em diante, toda mulher que engravidasse seria um sinal de esperança. Toda a Criação olharia para aquele ser humano e perguntaria: Será essa a criança que há de resgatar a Criação?

É interessante perceber que Deus faz o primeiro ato de reversão da Queda logo ali, ao atribuir à mulher o papel mais importante. A semente da mulher haveria de triunfar. E aí, a mulher grávida se tornou a maior de todas as epifanias. Antes da vinda do Cristo, era a epifania da esperança; depois da vinda de Cristo era a epifania da salvação. Porque toda mulher carregando no ventre uma criança é a prova de que Deus resolveu insistir na nossa existência, e aceitou o sacrifício que foi feito em nosso favor e de toda a Criação.

A missão integral aparece nos atos mais corriqueiros e nos mais sublimes. E ela aparece, inclusive, naqueles sublimes que nós tornamos corriqueiros, como a gravidez. Como a capacidade da mulher de carregar no seu ventre um sinal de esperança. Eu me lembro de um amigo que contou uma vez uma história muito bonita. Ele e sua esposa estavam esperando o primeiro filho. Um dia, ele tomou um táxi, então começou a conversar com o taxista sobre a situação do mundo. Era um momento de muita crise no mundo todo, no Brasil em especial. O meu amigo disse para o taxista: “Sabe que nessas horas eu penso se deveríamos ter ou não um filho, em um mundo como esse?”. E o taxista o repreendeu: “Não fala assim, moço, pode ser que o seu filho seja a pessoa que vai fazer toda a diferença”.

A missão é integral e aparece em todos os atos de Deus, dos mais corriqueiros aos mais sublimes, e mesmo nos sublimes (como a gravidez) que nós tornamos corriqueiros, por não entendermos que Deus está em missão. Então, é isso o que nós queremos dizer quando afirmamos que a missão é integral, e estar em missão com Deus é estar integralmente envolvido na recuperação de toda a Criação e de todos os relacionamentos. Que Deus nos abençoe.